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A000a Aristóteles, Arte poética



index do verbete
Aristoteles

B ESPÉCIES E ORIGEM DA POESIA.

1 Como a imitação se aplica aos atos das personagens e estas não podem ser senão boas ou ruins (...] daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.

2 É também essa diferença o que distingue a tragédia da comédia: uma se propõe imitar os homens, representando-os piores; a outra os torna melhores do que são na realidade.

3 comédia vem do verbo cwmazeiu (celebrar uma festa com danças e cantos).

4 A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distinguem-se os humanos de todos os outros seres vivos: por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquirimos nossos primeiros conhecimentos, e nela todos experimentamos prazer. A prova é-nos visivelmente fornecida pelos fatos: objetos reais que não conseguimos olhar sem custo, contemplamo-los com satisfação em suas representações mais exatas. Tal é, por exemplo, o caso dos mais repugnantes animais e dos cadáveres.

5 Com referência ao número de atores: Ésquilo foi o primeiro que o elevou de um a dois, em detrimento do coro (22) , o qual, em conseqüência, perdeu uma parte da sua importân-cia; e criou-se o protagonista. Sófocles introduziu um terceiro ator, dando origem à cenografia.

C A COMÉDIA


6 A comédia é, como já dissemos, imitação de maus costumes, mas não de todos os vícios; ela só imita aquela parte do ignominioso que é o ridículo. (...] O ridículo reside num defeito ou numa tara que não apresenta caráter doloroso ou corruptor. Tal é, por exemplo, o caso da máscara cômica feia e disforme, que não é causa de sofrimento.

7 Iambo (Houaiss): que ou o que compõe uma unidade de tempo breve seguida de outra longa (diz-se de pé métrico no sistema de versificação greco-latino).

D A TRAGÉDIA


8 Suscitando a compaixão e o terror, a tragédia tem por efeito obter a purgação dessas emoções.

9 Se um autor alinhar uma série de reflexões morais, mesmo com sumo cuidado na orientação do estilo e do pensamento, nem por isso realizará a obra que é própria da tragédia. Muito melhor seria a tragédia que, embora pobre naqueles aspectos, contivesse no entanto uma fábula e um conjunto de fatos bem ligados.

10 na tragédia, o que mais influi nos ânimos são os elementos da fábula, que consistem nas peripécias e nos reconhecimentos.

11 a peça extensa o suficiente é aquela que, no decorrer dos acontecimentos produzidos de acordo com a verossimilhança e a necessidade, torne em infortúnio a felicidade da personagem principal ou inversamente a faça transitar do infortúnio para a felicidade.

12 se trata, não só de imitar uma ação em seu conjunto, mas também de imitar fatos capazes de suscitar o terror e a compaixão, e estas emoções nascem principalmente,... (e mais ainda) quando os fatos se encadeiam contra nossa experiência.

E POETA E HISTORIADOR


13 é evidente que não compete ao poeta narrar exatamente o que aconteceu; mas sim o que poderia ter acontecido, o possível, segundo a verossimilhança ou a necessidade.

F PERIPÉCIA E RECONHECIMENTO


14 duas partes constituem a fábula: peripécia e reconhecimento; a terceira é o acontecimento patético (catástrofe).

15 A peripécia é a mudança da ação no sentido contrário ao que parecia indicado e sempre, como dissemos, em conformidade com o verossímil e o necessário.

16 O reconhecimento, como o nome indica, faz passar da ignorância ao conhecimento, mudando o ódio em amizade ou inversamente nas pessoas votadas à infelicidade ou ao infortúnio.

17 O mais belo dos reconhecimentos é o que sobrevém no decurso de uma peripécia.

18 o patético é devido a uma ação que provoca a morte ou sofrimento, como a das mortes em cena, das dores agudas, dos ferimentos e outros casos análogos

G QUALIDADES DA FÁBULA EM RELAÇÃO AOS PERSONAGENS


19 A mais bela tragédia é aquela cuja composição deve ser, não simples, mas complexa; aquela cujos fatos, por ela imitados, são capazes de excitar o temor e a compaixão (pois é essa a característica deste gênero de imitação). Em primeiro lugar, é óbvio não ser conveniente mostrar pessoas de bem passar da felicidade ao infortúnio (pois tal figura produz, não temor e compaixão, mas uma impressão desagradável); Nem convém representar homens maus passando do crime à prosperidade (de todos os resultados, este é o mais oposto ao trágico, pois, faltando-lhe todos os requisitos para tal efeito, não inspira nenhum dos sentimentos naturais ao homem – nem compaixão, nem temor); nem um homem completamente perverso deve tombar da felicidade no infortúnio (tal situação pode suscitar em nós um sentimento de humanidade, mas sem provocar compaixão nem temor). Outro caso diz respeito ao que não merece tornar-se infortunado; neste caso o temor nasce do homem nosso semelhante, de sorte que o acontecimento não inspira compaixão nem temor. Resta, entre estas situações extremas, a posição intermediária: a do homem que, mesmo não se distinguindo por sua superioridade e justiça, não é mau nem perverso, mas cai no infortúnio em conseqüência de algum erro que cometeu; neste caso coloca-se também o homem no apogeu da fama e da prosperidade, como Édipo ou Tiestes ou outros membros destacados de famílias ilustres. Para que uma fábula seja bela, é portanto necessário que ela se proponha um fim único e não duplo, como alguns pretendem; ela deve oferecer a mudança, não da infelicidade para a felicidade, mas, pelo contrário, da felicidade para o infortúnio, e isto não em conseqüência da perversidade da personagem, mas por causa de algum erro grave, como indicamos, visto a personagem ser antes melhor que pior.

20 em nossos dias, as mais belas tragédias ocupam-se de um muito reduzido número de famílias, (...] que tiveram de suportar ou realizar coisas terríveis.

21 O segundo modo de composição, que alguns elevam à categoria de primeiro, consiste numa dupla intriga, como na Odisséia, onde os desenlaces são opostos: há um para os bons, outro para os maus. Esta última categoria é devida à pobreza de espírito dos espectadores, pois os poetas limitam-se a seguir o gosto do público, propiciando o que ele prefere.

H MODOS DE PRODUZIR TERROR


22 a fábula deve ser composta de tal maneira que o público, ao ouvir os fatos que vão passando, sinta arrepios ou compaixão.

23 estas emoções devem ser suscitadas nos ânimos pelos fatos.

I DOS PERSONAGENS


24 No que diz respeito aos caracteres, quatro são os pontos que devemos visar. O primeiro é que devem ser de boa qualidade. Esta bondade é possível em qualquer tipo de pessoas. Mesmo a mulher, do mesmo modo que o escravo, pode possuir boas qualidades, embora a mulher seja um ente relativamente inferior e o escravo um ser totalmente vil.

25 O segundo é a conformidade; sem dúvida existem caracteres viris, entretanto a coragem desta espécie de caracteres não convém à natureza feminina.

26 O quarto ponto consiste na coerência consigo mesmo, mas se a personagem que se pretende imitar é por si incoerente, convém que permaneça incoerente coerentemente.

27 Tanto na representação dos caracteres como no entrosamento dos fatos, é necessário sempre ater-se à necessidade e à verossimilhança, de modo que a personagem, em suas palavras e ações, esteja em conformidade com o necessário e verossímil, e que ocorra o mesmo na sucessão dos acontecimentos.

28 Portanto é manifesto que o desenlace das fábulas deve sair da própria fábula, e não como na Medéia(50), provir de um artifício cênico (deus ex machina)

29 50. Medéia é uma tragédia de Eurípides. Foi representada em 413 A.C.. Oartifício cênico a que Aruistóteles se refere é o carro alado que Medéia recebe de presente do Sol, puxado por dois dragões.

30 Sendo a tragédia a imitação de homens melhores que nós, convém proceder como os bons pintores de retratos, os quais, querendo reproduzir o aspecto próprio dos modelos, embora mantendo semelhança, os pintam mais belos

J CONSELHOS AOS POETAS


31 Quando o poeta organiza as fábulas e completa sua obra compondo a elocução das personagens, deve, na medida do possível, proceder como se ela decorresse diante de seus olhos, pois, vendo as coisas plenamente iluminadas, como se estivesse presente, encontrará o que convém, e não lhe escapará nenhum pormenor contrário ao efeito que pretende produzir.

32 Em virtude da nossa natureza comum, são mais ouvidos os poetas que vivem as mesmas paixões de suas personagens; o que está mais violentamente agitado provoca nos outros a excitação, da mesma forma que suscita a ira aquele que melhor a sabe sentir

K NÓ E DESENLACE


33 Em todas as tragédias há o nó e o desenlace. (...] Dou o nome de nó à parte da tragédia que vai desde o início até o ponto a partir do qual se produz a mudança para uma sorte ditosa ou desditosa; e chamo desenlace a parte que vai desde o princípio desta mudança até o final da peça.

34 Há quatro espécies de tragédias. Uma complexa, constituída inteiramente pela peripécia e o reconhecimento. A outra, a peça patética, do tipo de Ajax (58) e de Íxion (59). A (quarta é a) tragédia de caracteres.

35 58. Ajax, filho de Télamon, suicidou-se após um acesso de loucura, provocado porque as armas de Aquiles foram dadas a Ulisses. Após ter matado as reses do rebanho que pertencia ao exército, ele volta a si e se mata. Há uma peça de Sófocles sobre o tema, onde o delírio de Ajax é provocado por uma deusa.

36 59. Íxion é punido, assim como Ajax, por seu excesso de orgulho. Zeus o leva para o Olimpo, onde Íxion ousa apaixonar-se por Hera. Zeus o precipita no Tártaro, onde tem que mover uma roda em movimento perpétuo. Ésquilo compôs uma peça a respeito deste mito.

37 Importa não esquecer o que muitas vezes tenho dito: não compor uma tragédia como se compõe uma obra épica; entendo por épica a que enfeixa muitas fábulas, por exemplo, como se alguém quisesse incluir numa tragédia todo o assunto da Ilíada.

38 nas peripécias e nas ações simples, os poetas alcançam maravilhosamente o fim que se propõe alcançar, a saber, a emoção trágica e os sentimentos de humanidade.

L DA UNIDADE DE AÇÃO NA COMPOSIÇÃO ÉPICA


39 Na imitação em verso pelo gênero narrativo, é necessário que as fábulas sejam compostas num espírito dramático, como as tragédias, ou seja, que encerrem uma só ação, inteira e completa, com princípio, meio e fim, para que, assemelhando-se a um organismo vivente, causem o prazer que lhes é próprio. Isto é óbvio.

40 Homero é por muitas razões digno de elogio; e a principal delas é o fato dele ser, entre os poetas, o único que faz as coisas como elas devem ser feitas

M COMO SE DEVE APRESENTAR O QUE É FALSO


41 Nas tragédias, é necessária a presença do maravilhoso, mas na epopéia pode-se ir além e avançar até o irracional, através do qual se obtém este maravilhoso no grau mais elevado, porque na epopéia nossos olhos não contemplam espetáculo algum.

42 Nas tragédias, é necessária a presença do maravilhoso, mas na epopéia pode-se ir além e avançar até o irracional, através do qual se obtém este maravilhoso no grau mais elevado, porque na epopéia nossos olhos não contemplam espetáculo algum.

43 Homero foi também quem ensinou os outros poetas como convém apresentar as coisas falsas. Refiro-me ao paralogismo. Eis como os homens pensam: quando uma coisa é, e outra coisa também é, ou, produzindo-se tal fato, tal outro igualmente se produz, se o segundo é real, o primeiro também é real, ou se torna real. Ora, isto é falso. Daí se imagina que, se o antecedente é falso, mas mesmo assim a coisa existe ou vem a se produzir, estabelece-se uma ligação entre antecedente e conseqüente: sabendo que o segundo caso é verdadeiro, nosso espírito tira a conclusão falsa de que o primeiro também o seja.

44 É preferível escolher o impossível verossímil do que o possível incrível. (...] No que diz respeito à poesia, deve-se preferir o impossível crível ao possível incrível.

N SUPERIORIDADE DA TRAGÉDIA SOBRE A EPOPÉIA


45 em relação à epopéia. (...] Esta, segundo se diz, é feita para um público de bom gosto, que não precisa de toda aquela gesticulação, ao passo que a tragédia se destina ao vulgo; e se a tragédia tem algo de banal, manifestamente é de qualidade inferior.

46 , o que é mais concentrado proporciona maior prazer do que o diluído por longo espaço de tempo – pensemos no que seria o Édipo tratado no mesmo número de versos que a Ilíada!

47

O ALGUMAS RESPOSTAS ÀS CRÍTICAS FEITAS À POESIA


48 Sendo o poeta um imitador, como o é o pintor ou qualquer outro criador de figuras, perante as coisas será induzido a assumir uma dessas três maneiras de as imitar: como elas eram ou são, como os outros dizem que são ou dizem que parecem ser, ou como deveriam ser.

49 Xenófanes, filósofo eleata de Colofônia. Viveu na segunda metade do século VI A.C. e sua obra trata de teologia, criticando bastante as crendices e o politeísmo populares. Para Xenófanes, Deus é uno, eterno, imortal e espiritual

50 alguns, sem boas razões, formam idéias preconcebidas, depois põem-se a raciocinar e a decidir pela condenação do que se lhes afigura ter sido dito no poema, sempre que vier de encontro à opinião deles.

P NOTAS


51 Sófron de Siracusa (primeira metade do século V) criou o gênero que se chamava mímica, no qual se tentava apresentar uma imitação perfeita da vida.

52 Ditirambo era poesia coral para honrar Dionísio. Segundo o dicionário Aurélio: (Do gr. dithyrambos, pelo lat. dithyrambu] S.m. 1. Teat. e Mús. Nas origens do teatro grego, canto coral de caráter apaixonado (alegre ou sombrio), constituído de uma parte narrativa, recitada pelo cantor principal, ou corifeu, e de outra propriamente coral, executada por personagens vestidos de faunos e sátiros, considerados companheiros do deus Dioniso, em honra do qual se prestava essa homenagem ritualística. 2. P. ext. Composição lírica que exprime entusiasmo ou delírio.

53 Terpandro, poeta lírico dórico— originário duma ilha de Lesbos chamada Antissa— (talvez primeira metade do século VII A.C.), foi autor de composições musicais em que o canto era acompanhado por cítara. Era um tipo de canto religioso hierático, escrito em hexâmetros dactílicos, que se chamava nomo. Diz-se que esta foi a primeira associação feita entre a poesia e a música.

54 Íxion é punido, assim como Ajax, por seu excesso de orgulho. Zeus o leva para o Olimpo, onde Íxion ousa apaixonar-se por Hera. Zeus o precipita no Tártaro, onde tem que mover uma roda em movimento perpétuo. Ésquilo compôs uma peça a respeito deste mito.

Aristóteles
ENCYCLOPAEDIA V. 51-0 (11/04/2016, 10h24m.), com 2567 verbetes e 2173 imagens.
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